Que venha a mídia tática!

Que venha a mídia tática!

Um dos primeiros eventos que catalizam o espírito desta rede de solidariedade midiática se chama Mídia Tática Brasil, ocorrido em março de 2003, um festival de arte em rede, comunicação independente, música experimental, tecnologias livres e (re-)apropriadas e intervenções urbanas, aonde uma série de coletivos de São Paulo buscaram criar uma sinergia entre os processos coletivos e os espaços públicos, através do compartilhamento do esforço de produção deste evento e ao mesmo tempo re-significando os espaços tradicionalmente considerados artísticos. Era a primeira vez que se juntavam num único ambiente, em salas chamadas de “ocupações”, rádio ativistas, artistas, teóricos de mídia, universitários, jornalistas independentes, codeiros linux e músicos experimentais.

 

O conceito de Mídia Tática, sob o formato de Laboratório de Mídia, é oriundo da Holanda dos anos 90, aonde se popularizaram novas tecnologias de mídia caseira como câmeras e mini equipamentos de música, e a própria internet, mas que adquire um novo vigor no Brasil aonde chegou logo depois. Em 2003 o festival MTB funcionou como um ponto de encontro entre ativistas de tecnologias livres, de mídia independente e artistas com temas políticos e experimentais como a reapropriação tecnológica, rádio livre e comunidades em rede. A experimentação sempre fez parte de uma cultura própria brasileira, uma contracultura, uma forma resistente de se utilizar as ferramentas de comunicação em todo continente, desde a Imprensa Nanica durante a ditadura, ao levante Zapatista em 1994 criando a ideia de “Guerra da Net”, mas também de sua resistência ativa e global.


Em 2003, insuflados pelos protestos globais, Fóruns Sociais e o embrião de um governo de esquerda, a precariedade insuflada de gambiarras e reciclagens funcionou como energia criativa recombinadora. Como semeou Ricardo Rosas em 2004, criavámos nossa Digitofagia uma forma própria de produzir arte e mídia independente no Brasil. Giseli nos trazia também a referencia a Hakim Bey, de uma Zona Autônoma Temporária uma imersão em/de arte livre.


No inicio dos anos 2000, o software livre também estava em ebulição no brasil, nos encontros techies como FISL (Fórum internacional do software livre) – ou os primeiros telecentros em GNU/Linux do Acessa São Paulo e se cristalizaram na rede Metareciclagem sob a forma de uma metodologia de apropriação social das tecnologias livres, com iniciativas diversas. Combinada com a rede do Centro de Mídia Independente que vinha de uma explosão de coletivos por todo o planeta, recém-criado na cidade, mais a experimentação ativista de coletivos de arte que se consolidou posteriormente nas ocupações de moradia de São Paulo, como Prestes Maia, fazia daquele momento bem propicio a uma fusão explosiva, mesmo que temporária.

Ampliando as fronteiras entre os meios digitais, a internet mas também os processos sociais de rua e as políticas digitais, mobilizando pessoas de praticas e campos diversos em reuniões publicas e ambientes de diálogo permanente, o MTB tinha como objetivo (segundo seu Manifesto Que Venha a midia Tatica! de 2003):

“politizar as mídias, a arte e as tecnologias inserindo a meme da tática como modelo de (re-)apropriação social.”

“Mídia tática como uma pratica tem uma historia longa, e parece seguro predizer, um futuro ainda maior. Ainda assim, sua existência como um conceito particular ao redor de um movimento social, ou mais precisamente, de uma rede auto-consciente de pessoas e projetos que ali se coalesceria, teve uma vida relativamente curta, muito confinada a primeira época da internet como um meio de massa (1995-2005). (…)

“O que acontece quando a mídia “faça-você-mesmx”, tornada acessível pela revolução do consumo de eletrônica e expandidas formas de distribuição (de acesso a cabos públicos e a internet) são exploradas por grupos e indivíduos que se sentem atingidos ou excluídos de uma cultura mais ampla? Mídia tática.  Mídia tática não somente para reportar eventos, já que nunca são imparciais, sempre participam e é isso mais do que qualquer outra coisa que os separa da mídia comercial (…)

O principio de tática vem como oposto a estratégia, no sentido de não efetuar um confronto direto com o rival, mas através de “táticas”, de modos de atuação que minem as suas forcas e efeitos devastadores. O conceito deriva dos estudos de Michel de Certeau em “A Invenção do Cotidiano” e a definição em si do artista plástico polonês Krzystof Wodiczko, criador de veículos de alumínio para moradores de rua. O termo foi materializado nas series de manifestos (ABC da Mídia Tática, DEF da Mídia Tática), lançados na lista de discussão Nettime (www.nettime.org), por Geert Lovink e David Garcia. Na prática, táticas são “as técnicas pelas quais os fracos se tornam mais fortes que os opressores”.

 

Ricardo Rosas e Tatiana Wells, Que Venha a Midia Tatica! Manifesto Midia Tatica Brasil